terça-feira, 10 de novembro de 2009

"dentro da folia um filme de terror"

quis parar e
falar que não queria
e como não faria
se a culpa que sentia
era pelo sol que tododia
ardia

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Carta ao Pai (ou apologia de uma libertação)

"O tempo não cicatriza feridas. Ele apenas alivia a dor e embaça um pouco a memória."
Sarah, filha de Therese, neta de Danielle, bisneta de Antônia

(e depois do prefácio (in)voluntário de Raduan Nassar...)

Sim, vou escrever sobre isso. Sobre isso e sobre milhares de outras coisas que você nunca vai entender. Mas isso não porque eu seja melhor que você ou não sei o que... Eu sei, eu sei como é difícil compreender que nada no mundo pode ser colocado em gradientes de pior a melhor. Sei como é difícil aceitar quem fale nesses termos, e que eventualmente tal sujeito mereça levar uns cacetes na cara, no ego, nos ossos - "Como não existe melhor nem pior? De que lado você está então seu bosta?!" ... incompreensão é compreendida como arrogância. Tudo bem, pancadas machucam apenas as árvores. "Ontem à tarde um vendaval inaudito arrancou centenas de árvores do solo na cidade de Londrina." As árvores morreram, nós sobrevivemos. Tudo que é feito de raízes nunca pode estar em um lugar que não seja aquele mesmo em que sempre esteve.... Imobilidade. É o mal de ser árvore. Sabe por que? Porque o mundo não passa de um imenso tornado que arrasta com velocidade e violência impressionantes as coisas de seus lugares originais, jogando-as para outros completamente inimagináveis. Quem cria raízes só viverá enquanto não for tocado pelo tornado. Como dizia antes,
jamais serei eu o que imaginas tu
e jamais imaginas tu o que serei eu.
E não da pra explicar
pelo simples motivo de que tu não é eu.
E mesmo que viesse a ser um dia
não adiantaria, pois eu mesmo já não o seria.
Eu me fujo assim que me encontro... sempre constantemente, no rítmo do vento. Bem, ia dizendo... como sugeriu você, que um dia sobre isso escreveria... mas não pra fazer disso o grande OH! da minha vida - "somente as árvores sofrem com os flagelos" - Disse que não entenderia, disse que importância isso não teria. O importânte é não criar raízes sobre os fantasmas, é gritar "Vão pro caralho!" tal qual Garcia Marquez fez com os seus, botando-os para correr. Édipo não ouviu o grito, também não foi ouvido, criou raízes - duras raízes, que deitaram longe na terra, até hoje - fodeu pai, mãe e a sí próprio, acabou enfim devorado pela esfínge (vento). Ah, eu não, eu que não fujo do meu destino para logo na esquina trombar com ele, impotente. Eu prefiro espalhar sementes, ovos tântricos - deles nunca se sabe o que pode vir a nascer... Eis aqui um.

Engels já dizia que a semente do Estado era a família. Na verdade a família é a primeira árvore concêntrica - a árvore genealógica. Essa árvore em nada difere das que a circundam e lhe dão sequência: árvore-escola, árvore-exército, árvore-mercadodetrabalho e por ai afora até retornar à árvore-família (nascer, ser criado, ser educado, ser disciplinado, trabalhar-produzir, casar-procriar, reiniciar o ciclo). Todas essas árvores juntas dão corpo à árvore maior que, por conta das atuais circunstâncias globais poderiamos chamar, por exemplo, de Capitalismo. A seiva-bruta que é conduzida através dessas árvores, das radículas às folhas, é sempre a mesma: o dinheiro. Não se espantem, essa afirmação é verdadeira, mas deve ser bem compreendida. A essência de uma relação arborescente com a família ou com qualquer uma dessas instituições é sempre o dinheiro, só que esse termo pode ser apreendido tanto na sua função de material mediador de trocas, quanto na sua função nominal-simbólica, representando uma série de outras relações: direitos/deveres, dádiva/dívida, relações binárias obrigativas de qualquer natureza. Numa família do tipo árvore (ou se quiserem, família-instituição), tudo está embutido numa lógica de troca, inclusive os afetos. "Te demos vida, carinho e comida. Deves retribuir com amor e obediência aos nossos desejos." Eis a assinatura de uma dívida para toda a vida, o primeiro passo infantil em direção à Sociedade de Controle de Gilles Deleuze. No fim das contas, titio Marx ainda tem razão... não passa de uma relação de propriedade. "Meu filho!" O 'meu' aqui exprime menos uma identificação de corpos do que um desejo de posse. Não poderia ser diferente sendo esse filho apenas uma folha que é continuação de uma árvore muito maior e irremediávelmente presa ao chão. Há uma saída? Sempre há. Gosto muito da palavra 'desterritorialização'. Me traz a imagem da folha se desprendendo da àrvore, não significando isso, necessáriamente, morte. Pelo contrário, diz de um movimento no sentido da mais pura intempestividade da vida! A folhinha cai no chão, se decompõe, vira adubo para a própria árvore, retorna a ela para fugir logo em seguida na forma de oxigênio. Vôa longe, descobre o mundo, ganha todas as formas e cores possíveis, podendo voltar um dia a compor a árvore, talvez como o vento, que provoca um doce farfalhar na sua copa. O que há de diferente ai do sistema de raízes-tronco-galhos (hierarquia)? O não-sistema-Rizoma (aquilo-que-foge-e-volta-para-todos-os-lados-sem-jamais-ser-capturado). É essa a unica natureza que permite uma relação saudável ou, como diria Spinoza, um 'encontro alegre' com a família. A família-rede-de-afetos no lugar da família-instituição (tal qual nos ensina a excentricidade da família de Antônia). Contato rizomático ao invés da prisão da dádiva e da dívida. Aonde esta a moral e a disciplina, colocar o motor do desejo e do acaso, tal qual é o real funcionamento da vida.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Morre Abraxas



Deus.... O universo começa!
Ele cria tudo e seus anjos. Do gueto comandado a rédeas de fogo pelo senhor absoluto, desprende-se um servo prodigioso. Quem poderia acumular tanto poder quanto o próprio Deus? Quem um dia se atreveria a desobedecê-lo? Ao anjo da rebeldia, ao primeiro espírito anti-tirânico da história da hisrória, foram atribuídas todas as características de sordidez e ruína. O seu reino marginal foi chamado de Inferno!
Mêdo e desespero fizeram você sentir de lá... tudo o que é feio, fedido e insuportável vem de lá! O reino da liberdade é o oposto do reino da paz. Se atreverá você a querer ter tanto quanto o teu senhor? Desobedecê-lo não seria o mesmo que desobedecer ao próprio Deus?!


Não se desobedece a quem detém todo o saber, e jamais se tira dele o conhecimento. Não é a toa que a primeira árvore plantada na terra pelo primeiro terrosista-poeta dos primórdios judaico-cristão (tataravós do capitalismo) fosse a raiz da rebeldia e da desordem por excelência. Seu fruto: a questão humana. A maçã cravada com o ponto de interrogação é o grande alvo dos empedernidos controladores desse período e dessa civilização (os nossos?).
Ai esta uma questão central para os estudos religiosos. Passamos séculos demais batendo cabeças sobre a existência ou não de Deus, ou se um deus pode ser melhor que o outro. Não se deve fazer a história das coisas sobre as quais se deve provar a existência, nessas acredita-se ou não, e acabou. Devemos fazer a história do que existe. O que existe nesse caso? Pessoas falando sobre Deus. Existe o discurso de Deus, esse discurso serve aos interesses de certas pessoas, oprime outras, exerce poder, exerce libertação, etc. Nesse discurso acredita-se ou não, por que? Como ele se transforma através da história (ou seja, através das ações e pensamentos dos homens e mulheres), quais forças o imprimem nos corpos e quais forças ele movimenta?
Deve haver a intenção em alguns que fazem ressonar o discurso-poder do bem (justiça, servilidade e passividade) contra o mal (caos, subversão e libertinagem) de impedir a (re)conciliação dos opostos complementares. Um esforço de ruptura do yin-yang. O yang prevalece sobre o yin e o homem-Deus sobre a mulher-Bruxa, e todos os que são homens-mulheres tem de se dividir e oprimir sua metade perversa para se adequar à lei da normalidade. Só apartir daí é que se atribuem os valores políticos transcedentais de bem e mal a cada uma das partes e da necessidade do primeiro sobrepujar o segundo.

A mulher comeu o fruto, ela foi a primeira a fazer a articulação insurrecta e perigosa com a natureza. É ela o primeiro demônia a ser domado, uma subjetividade selvagem a ser encarcerada dentro de seu corpo e junto com ele. Porque tudo nela é vil e nefasto. Homem toma cuidado com ela, ela esta sempre pronta a te ludibriar, pois ela conhece coisas que estão fora do seu encordeirado conhecimento racional. Ela domina os símbolos do mal, sente-os, compreende-os em uma dimensão da vida que você nunca será capaz de captar, e nem deve! Ela conversa a lingua dos animais, faz sexo com as plantas e faz poções com ervas epifânicas e afrodisíacas ilegais. Dizem por ai que ela tem estreito contato com o próprio Lúcifer, que é, ele mesmo, uma mulher! Por isso usa a única coisa que tem a mais que ela... tua força homem, esmaga ela com tua força! Tudo receberá em troca de manter a ordem e a justiça, mas somente conseguirá isso tomando a mulher como tua escrava. Dela só arrancará suas crias, seus frutos, sua casa limpa e seu gozo fácil... Foi Deus quem disse, não fui eu.


...
Retornar ao caminho do equilíbrio, destruir o bem e o mal, reconciliar o yin-yang. Engravidar-se do espírito de Abraxas...

Já devia ter seus oitenta e poucos anos, dizia que já teve de tudo um pouco na vida: amor, conhecimento e um pedaço de terra isolado dos prédios e postes de energia, onde plantava folhas de tabaco, maconha, e todos os vegetais de que se alimentava, preparados com mais fina arte da feitiçaria feminina; tinha um lago onde se banhava e folhas caídas que amorteciam seus pés descalços. Não contava como foi obrigado a desligar-se de todas essas felicidades ou se foi esse o seu desejo. Do seu antigo mundo só trazia um violão e algumas páginas rabiscadas com as letras de sua eterna e etérea amante. Caminhava sózinho em sujos trapos, com os cabelos e barbas brancos e emaranhados que apenas deixavam escapar os olhos como fonte de expressão. É claro que poucos davam ouvidos a suas débeis palavras, ou por soarem esquizofrênicas, ou por propagarem o som e o cheiro da cachaça; mas a maioria tinha mesmo dificuldade em enxergar que tal figura existia no mundo. Um desses dias eu caminhava apressado em meio a furiosa multidão metropolitana quando fui arrebatado por uma fala sua, aterradora, deliciosa, profundamente embebida em resíduos de vinhos, fungos de bosta de vaca e em desesperada sabedoria.

"Éramos o maior amor que já havia brotado nesse imenso mundo de concreto e aço. Como tão grande amor tinha se tornado demasiadamente imenso para se sustentar sem que explodisse, resolvemos nos multiplicar para dividir nosso amor em um corpo que seria seu, sem deixar de ter nós. Nasceu nossa filha... sua lembrança agora me trás comoção e admiração. Comoção pela bela inocência da criança que alimentamos com caldos e versos, músicas e ouvidos. Admiração pela mulher impressionante em que ela se transformou. Saiba que falar que ela era uma Mulher dispensa maiores descrições, pois ser mulher é uma força que nós, estúpidos pintudos, jamais poderemos compreender, e o máximo que podemos fazer é admirar, quando percebemos estar diante de uma. Devemos caminhar junto dela, pois só assim podemos aprender alguma coisa sobre como existir na natureza. Minha filha se tornou uma dessas mulheres, que te segura pela mão e te abre as portas do mundo através de símbolos que você nunca viu e linguas que você nunca pensou que pudessem existir. você diz: 'nunca antes imaginei que essas folhas falassem, nunca imaginei que tantas palavras inúteis pudessem ser poupadas com esse carinho, com esse gesto que revela em si só milhões de frases, afetos, verdades... e quantas pessoas poderiam ser libertadas pela calma pujança de sua voz, quantas guerras não poderiam cessar pela ação de sua alquimia culinária...' .... Não poderia ter sido muito diferente, sendo filha de sua mãe... essa sim, a mulher que eu mais admirei e com quem eu mais aprendi a ser quem eu sou. Devo confessar que talvez por puro ciúmes remetia a lembrança de minha filha sempre à sua imagem infantil, à idéia serena de 'minha cria', àquele rostinho brincalhão que - devir-pai-frustrado meu - não consegui modelar de acordo com a minha idéia. Muito melhor assim, ela tornou-se, por si mesma, 'o que é', como tinha que ser, maior e mais forte que tudo aquilo que viveu, superior a todos os esforços de controlá-la. Se tornou Mulher, como sua mãe. E, como sua mãe, também não sofreu pouco...
Aconteceu assim, nossa filha, nossa mulher, tinha de ser a mais velha, mais velha do que ele, nosso filho, que tinha de ser mais novo. Você quer se preocupar quando vê isso acontecer. O garoto era eu! Como eu, via o mundo do avesso, Como eu tinha uma potência de criação e destruição tão agressiva e incontrolável quanto preguiçosa e medrosa - eu já via acontecer - era preciso haver algo que ligasse ele à Terra, algo que ligasse nele a metéria e o espírito, uma ligação que sua estreita visão pintudinha não lhe permitiria. Não se se foi mesmo por causa disso, nem importa, só sei que foi uma das coisas mais belas que eu já vi em toda a minha vida. Não que não tivessemos tentado lutar contra no começo, é óbvio que sim, por mais que queiramos nos declarar animais, ainda somos cristãos demais na nossa espinha-dorsar, sabe? Mas quando se percebe o quanto é limitado, já é o primeiro passo para desatar as amarras... quando enfim consegui me livrar de certos moralismos tão enraizados nos meus ossos, pude sentir uma expolosiva emoçao, como se dois prédios enormes desabassem, revelando o sol que há muito se escondia atrás deles, entende? Dois arquetipos maiores da nossa humanidade máscula e policial: O primeiro, a bruxa-mãe, a generosa porém selvagem e incompreensível Mulher, que é também a natureza, ambas escravizadas, violentadas e silenciadas por quase todos os anos que a nossa história insiste em contar. O segundo, o pobre homenzinho que tudo quer dominar simplesmente porque nunca quis ter saido do lugar onde estava antes de começar a existir. Razão e Édipo, o que tudo controla e o que tudo explica. As sinas às quais estão submetidos mulher e homem por toda a eternidade, para sempre apartados. Será que não há felicidade, será que não há amor? Há! E foi com a queda desses dois prédios, foi da ruína dessas duas estruturas que irrompeu a luz. E são essas as imagens que me vem à mente quando lembro daquela tarde... da tarde em que vi nossos filhos fodendo na margem do lago, envolvidos em folhas secas e lama, conjurando seus corpos, se conhecendo, se invadindo, se completando, como se retornassem à terra. E retornaram, por um minuto... por alguns anos estivemos ali, livres. Mas não se vive fora desse mundo rapaz. Éramos um amor, eramos uma coisa assim que a esmagadora maioria da humanidade jamais conheceu... como temiamos no início, que nosso amor se tornasse grande demais e por isso o dividímos, agora nosso amor era maior que qualquer coisa, como podia sobreviver num mundo onde qualquer coisa é maior que o amor? O mundo explodiu nosso muito imenso amor, mas ter vivido aquele curto despertar foi semelhante à contemplação de uma supernova, seu efeito nos nossos corpos foi do mais explosivo e duradouro dos orgasmos... O mundo destruiu esse amor... você já viu quantas vezes esse amor já destruiu o mundo?..."

Súbito calou-se, perdeu-se no seu costumeiro olhar de louco e seguiu rompendo as ruas do deserto urbano com violência e poesia. Tinha acabado de destruir o meu mundo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

esquizofrenoverbos (II)

eu fiquei por aqui
sou d'aqui
não fugi
não sei se é assim sempre...

o sóbrio sopro silvestre
sabe que salva
mas se eu sigo sendo centro
é só um dia e não num outro
que eu sinto seu sabor
o resto deles são prisão de mim

esquizofrenoverbos (I)

pela primeira vez
aquele como aquela
corre foge longe
fogo louco pelas bordas
das mancas cordas coxas bambas...
irêmos vencer!!
algum lugar vai chegar
sempre além ainda que aquém -
Prà quem?

sem ter sóbrio mêdo
corpo pelo qual se bebe pêlo
não ali, não aqui
não em lugar nenhum
não. nenhum lugar Há não

houve/haverá
e que(m) matará?
por lugar não ter acá?

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Para Cléo e Daniel

quantas vezes você já se apaixonou?
por quantas ruas já andou,
caiu? se machucou?
doeu em mim também
tá, não penso mais nisso
foram todos lobos afinal
e se um dia te devoraram a carne
hoje você que aprendeu
a sugar seus sangues
para (re)acender o brilho dos olhos
não menos por isso assim...
somos todos a mesma alcatéia agora
... e eu digo ... ainda bem
- eu também

por Mônica e Eduardo - 'cada nome é uma rua... por elas somos o que somos e nos amamos como nunca'

sexta-feira, 24 de julho de 2009



fiquei com vontade de escrever um poema sobre o cigarro. todos os poetas-fumantes o fazem: atores, músicos, fotógrafos, cineastas e até as poetizas mais belas - cujas poesias, faladas, cantadas e dançadas impulsionam o meu viver. fiquei pensando que tipo de cativância exerce o cigarro sobre essas cabeças enfumaçadas para inspirar versos tão intensos, tão profundos em sua superficialidade trivial... ou será que o ímpeto de poetizar o cigarro vem da necessidade narcótica de oxigenar nossos eus-líricos com longas e performáticas baforadas? bom, seja o que seje, para além desses devaneios, o resultado dessa pequena empreitada foi esse - poucas palavras no papel... e muitas baganas no cinzeiro...

O solitário

Para mim é odioso seguir e também guiar.
Obedecer? Não! E tampouco - governar!
Quem não é terrível para si, a ninguém inspira terror;
E somente quem inspira terror é capaz de comandar.
Para mim já é odioso comandar a mim mesmo!
Gosto, como os animais da floresta e do mar,
De por algum tempo me perder,
De permanecer num amável recanto a cismar,
E enfim me chamar pela distância,
Seduzindo-me para - voltar a mim.
(Friedrich Nietzsche)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

folha em branco

volto a ti novamente
estranho espelho...
olhos cerrados
os lábios quase sêcos
nada mais de música se ouve
mas cá estou
tentando fazer alguma banda soar
em qualquer algum lugar...

molho os lábios para sentir
abro os olhos para falar
viro de costas para chorar...
se não ela não há eu
se não eu, chôro ainda há seu?

aos que fazem política batendo na mesa

Política não é brincadeira?
Amor não faz política?
se na política não tem amor
a política perde o valor
se não se fizer de brincadeira a política
não sentímos a política
sem sentir não tem viver
assim como nada é vivido sem sentido
e a quem disser que nada tem sentido
digo que todo o sentido esta no amor
o amor que não respeita limites
o amor que não impõe regras
o amor louco insandecido
que tal qual devir-intenso
se alastra por onde quer que haja o menor resquicio de vida
corrompendo as razões
desestrturando organismos
revolvendo raízes
transgredindo fronteiras
justamente por respeitar o direito comum a todos que amam
de se livrarem das suas demarcações...
e brincar, tal qual brinca aquele que rompeu com a norma
e agora sente... vive... ama!
agora sim sabe fazer política....
amar, sentir, romper, fugir, viver
sentir o amor
romper pelo amor
fugir para o amor
viver em amor
lutarbrincarpoliticaramar
Até quando vamos deixar pintarem de branco nossas caras?
até quando vão - sem esboçar nenhum pesar - embranquecer nossas vidas e nossos sonhos?

Pintaram de branco até as grades que nos cercam
dai achamos que sumiram
mas elas estão lá...
...Brancas!
e como tudo que é branco
vão engolindo todas as cores
engolem até
nossa vontade colorida de quebrá-las

epígrafes para pixar nas paredes de nossas cabeças (ou em qualquer outro canto desse mundo)


Se quer provocar liberdade
que vai fazer?
se não quer...
pra que viver?

*
Homos-políticus
Homos-poéticus
Politiquize-se
Poetiquize-se

*
Criar é subverter o que existe. Quem incomoda, resiste.

*

Dois princípios básicos da luta pela liberdade:

1-Se a liberdade provocada não atingir ninguém além de você mesmo, sua luta falhou.

2-Se a liberdade provocada não atingir pelo menos você mesmo, sua luta também falhou.


*

As paredes das nossas vidas estão cheias da arte do vazio bienalística. Preenchâmo-las todas com os vazios de nossas artes!
Ando um pouco sem mim
ainda que longe do fim
por aí, entre indo e vindo
melhor é seguir sentindo

decompondo as malhas
reencontrando as falhas
de nada me serve o tudo
se não tiver o nada pra nascer o novo

fragmentos de um "mea culpa" cínico

Ela tinha me contado que o seu pai era bruxo e que uma vez ele tentou enforcá-la só porque resolveu olhar dentro dos seus olhos. Ela, por sua vez, já tinha tentado esfaquá-lo com palavras. Fiquei com medo de tomar eu as facadas, sem talvez ter me dado conta de todas as facas que eu já tinha atirado por aí. Não podia trepar comigo porque deus não deixava. Minha raiva toda contra ele me cegou do fato de que na verdade eu é que não escutava música suficientemente ruim. Além de que os pêlos - mesmo que incipeientes - da minha maior auto-afirmação de masculinidade e independência feriam seu bom-senso-estético-juvenil. No mais muitas telas de computador foram arremessadas contra a parede, e eu sempre achando que quem o fizesse fossem mão exogenas. Até me aperceber de todos os fins de ano que eu estraçalhei atirando notas de dez reais pró-pilulas-do-dia-seguinte violentamente contra sonhos construidos na areia. Será que foi mais de uma vez que eu fiz confundir Londrina com Floripa? A essas horas a infusão de canela em pó com folhas de louro já corria ligeira para dentro do ralo, junto com a idéia de que um relacionamento aberto era tudo que um garotinho de barba como eu podia querer. Nessas idas e vidas minha cabeça já viajou a Buenos Aires mais de uma vez... nas primeiras, com o medo adolescente de nunca encontrar a teta da primeira mamada; mas já nas segundas, com saudades, e com o desejo animal que fez brotar, feito rizoma, uma teta no meu próprio peito. Quererei eu que essa teta tenha sido sempre minha? Já ia achando que meu pau nunca mais fosse levantar! Ah o pinto duro e os pêlos hirsutos sempre tentando trazer rastros do que eu acho que tem de tão bom nas carreiras cheiradas que não fui eu quem estiquei e nas camas quebradas que eu nunca deitei. Afinal, qual foi mesmo a porra do filósofo que disse que a vida que queremos está sempre atrás da montanha?

Esse sol, esse sol proeminente, central, onipresente. Esse sol em vortex cujas linhas se espalham por todo o canto da cena sugando toda ela para o seu centro devorador de almas. Sugando a energia desses corpos fatigados que aparecem em traços retilíneos, crus e muito secos. Pés cansados, rostos magros, exauridos e com a espressão já quase apagada de tanto caminhar pela vastidão inóspita. A linha contínua que separa o chão do firmamento exala angustia ao refletir um horizonte sem fim, indo muito além de onde a vista alcança. Estamos contemplando um oceano, mas um oceano sem água. Um oceano de terra e sol. Um oceano de morte à espreita. Um oceano de incômodas e frustradas esperanças. Um oceano de vidas vazias, vidas sem vida. Um oceano de vidas sêcas.
na verdade, não gosto de nada que escrevo

sinto que não posso escrever nada
todos já escreveram tanto
parece que tudo o que devia ser dito já o foi
nosso mundo está entupido de palavras
abarrotado de versos
são mesmo demais pra escolher
qual deles você quer ser
às vezes acho que o que precisamos mesmo
é de um pouco menos de

oi, prazer, sou uma pessoa normal...


Pessoas normais buscam vidas normais
pessoas normais num mundo anormal

ainda sonham em achar o normal no meio do mundo

sonham com vidas estáveis...

Eu desprezo tudo que lembra estabilismo

desprezo tudo que me lembra finitudísmo

Pra mim, o contrário!... e sempre o contrário

eu desejo a eterna instabilidade

regozijo-me com o conflito

com a querela gelada que destrói os campos

e faz nascer flores novas

flores novas e diferentes

infinitamente belas em sua efemeridade trágica


Pessoas normais buscam vidas normais

"regras e sistemas" é o nome do que elas buscam

já eu, prefiro me intrometer por entre as brechas desse sistema

enveredar-me pelas falhas dessas regras

e assim aos poucos minar tal binômio congelador de vidas

que venham outros dele!

sempre trarão no seu bojo espiritos

cujo dever (anti)ontológico será destruí-los


Ah as pessoas normais e suas frustrações extra-normais...

logo logo se dão conta do óbvio ululante e ultrajante:

Pessoas normais não existem!!!

mais dia menos dia os seus castelos nababescos

feitos à custa de muito suor e esperança

para servir-lhes de eterna morada quando a labuta tiver fim...

-que será deles?

eis que desabam, simples assim...

as duras e pesadas pedras de estabilidade desmanham como areia

e as ilusões de solidez passam correndo

fugindo do devir que desmantela, destrói e desterritorializa

colocando tudo o que se quer parado no seu estado natural de movimento


Pessoas normais vivem assim em padecimento

o vir-a-ser as assusta


A pessoa normal perde então, uma a uma

as amarras que a prendiam na sua fantasia sediciosa de Deus

Primeira amarra desfeita: perde o "Normal"

Segunda amarra desfeita: perde o próprio "Pessoa"

daí se desprende do firmamento

e se esborracha no chão...

eis seu tão ansiado fim!


Triste não será porém

aquele que, desde sua estadia enganadora no céu

abdica do conforto de suas cordas

e salta ele mesmo de sua nuvem...

também ele cairá

também ele conhecerá no chão seu fim

mas até atingir o solo,

viverÁ em cada instante de sua queda

momentos de eterna alegria