terça-feira, 10 de novembro de 2009

"dentro da folia um filme de terror"

quis parar e
falar que não queria
e como não faria
se a culpa que sentia
era pelo sol que tododia
ardia

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Carta ao Pai (ou apologia de uma libertação)

"O tempo não cicatriza feridas. Ele apenas alivia a dor e embaça um pouco a memória."
Sarah, filha de Therese, neta de Danielle, bisneta de Antônia

(e depois do prefácio (in)voluntário de Raduan Nassar...)

Sim, vou escrever sobre isso. Sobre isso e sobre milhares de outras coisas que você nunca vai entender. Mas isso não porque eu seja melhor que você ou não sei o que... Eu sei, eu sei como é difícil compreender que nada no mundo pode ser colocado em gradientes de pior a melhor. Sei como é difícil aceitar quem fale nesses termos, e que eventualmente tal sujeito mereça levar uns cacetes na cara, no ego, nos ossos - "Como não existe melhor nem pior? De que lado você está então seu bosta?!" ... incompreensão é compreendida como arrogância. Tudo bem, pancadas machucam apenas as árvores. "Ontem à tarde um vendaval inaudito arrancou centenas de árvores do solo na cidade de Londrina." As árvores morreram, nós sobrevivemos. Tudo que é feito de raízes nunca pode estar em um lugar que não seja aquele mesmo em que sempre esteve.... Imobilidade. É o mal de ser árvore. Sabe por que? Porque o mundo não passa de um imenso tornado que arrasta com velocidade e violência impressionantes as coisas de seus lugares originais, jogando-as para outros completamente inimagináveis. Quem cria raízes só viverá enquanto não for tocado pelo tornado. Como dizia antes,
jamais serei eu o que imaginas tu
e jamais imaginas tu o que serei eu.
E não da pra explicar
pelo simples motivo de que tu não é eu.
E mesmo que viesse a ser um dia
não adiantaria, pois eu mesmo já não o seria.
Eu me fujo assim que me encontro... sempre constantemente, no rítmo do vento. Bem, ia dizendo... como sugeriu você, que um dia sobre isso escreveria... mas não pra fazer disso o grande OH! da minha vida - "somente as árvores sofrem com os flagelos" - Disse que não entenderia, disse que importância isso não teria. O importânte é não criar raízes sobre os fantasmas, é gritar "Vão pro caralho!" tal qual Garcia Marquez fez com os seus, botando-os para correr. Édipo não ouviu o grito, também não foi ouvido, criou raízes - duras raízes, que deitaram longe na terra, até hoje - fodeu pai, mãe e a sí próprio, acabou enfim devorado pela esfínge (vento). Ah, eu não, eu que não fujo do meu destino para logo na esquina trombar com ele, impotente. Eu prefiro espalhar sementes, ovos tântricos - deles nunca se sabe o que pode vir a nascer... Eis aqui um.

Engels já dizia que a semente do Estado era a família. Na verdade a família é a primeira árvore concêntrica - a árvore genealógica. Essa árvore em nada difere das que a circundam e lhe dão sequência: árvore-escola, árvore-exército, árvore-mercadodetrabalho e por ai afora até retornar à árvore-família (nascer, ser criado, ser educado, ser disciplinado, trabalhar-produzir, casar-procriar, reiniciar o ciclo). Todas essas árvores juntas dão corpo à árvore maior que, por conta das atuais circunstâncias globais poderiamos chamar, por exemplo, de Capitalismo. A seiva-bruta que é conduzida através dessas árvores, das radículas às folhas, é sempre a mesma: o dinheiro. Não se espantem, essa afirmação é verdadeira, mas deve ser bem compreendida. A essência de uma relação arborescente com a família ou com qualquer uma dessas instituições é sempre o dinheiro, só que esse termo pode ser apreendido tanto na sua função de material mediador de trocas, quanto na sua função nominal-simbólica, representando uma série de outras relações: direitos/deveres, dádiva/dívida, relações binárias obrigativas de qualquer natureza. Numa família do tipo árvore (ou se quiserem, família-instituição), tudo está embutido numa lógica de troca, inclusive os afetos. "Te demos vida, carinho e comida. Deves retribuir com amor e obediência aos nossos desejos." Eis a assinatura de uma dívida para toda a vida, o primeiro passo infantil em direção à Sociedade de Controle de Gilles Deleuze. No fim das contas, titio Marx ainda tem razão... não passa de uma relação de propriedade. "Meu filho!" O 'meu' aqui exprime menos uma identificação de corpos do que um desejo de posse. Não poderia ser diferente sendo esse filho apenas uma folha que é continuação de uma árvore muito maior e irremediávelmente presa ao chão. Há uma saída? Sempre há. Gosto muito da palavra 'desterritorialização'. Me traz a imagem da folha se desprendendo da àrvore, não significando isso, necessáriamente, morte. Pelo contrário, diz de um movimento no sentido da mais pura intempestividade da vida! A folhinha cai no chão, se decompõe, vira adubo para a própria árvore, retorna a ela para fugir logo em seguida na forma de oxigênio. Vôa longe, descobre o mundo, ganha todas as formas e cores possíveis, podendo voltar um dia a compor a árvore, talvez como o vento, que provoca um doce farfalhar na sua copa. O que há de diferente ai do sistema de raízes-tronco-galhos (hierarquia)? O não-sistema-Rizoma (aquilo-que-foge-e-volta-para-todos-os-lados-sem-jamais-ser-capturado). É essa a unica natureza que permite uma relação saudável ou, como diria Spinoza, um 'encontro alegre' com a família. A família-rede-de-afetos no lugar da família-instituição (tal qual nos ensina a excentricidade da família de Antônia). Contato rizomático ao invés da prisão da dádiva e da dívida. Aonde esta a moral e a disciplina, colocar o motor do desejo e do acaso, tal qual é o real funcionamento da vida.